Coisa de mãe no Japão - minha experiência

Graças a Deus tive o primogênito no ano passado. 
Obrigada, obrigada.

Lí mil sites, mil livros de maternidade. 
E agora resolvi fazer uma série sobre Mamãe e Bebê. Em progresso. 

Daqui um ano provavelmente estarei escrevendo sobre o inferno de busca infindável por uma creche nessa região metropolitana.

O primeiro da série,  estarei escrevendo sobre a minha humilde vida de grávida. 

Deixo bem claro que é sobre a MINHA vida de grávida e nova mamãe. 
Não quer dizer que se aplica a todas. 



1. Como engravidar. 

Testei todas a ciência de baixa tecnologia. 

Comecei o chamado "ninkatsu" desde que terminamos de assinar o contrato para compra de apê novinho em folha. 
Tomei banhos de furôs pela metade para esquentar desde o verão. 
Meu marido comeu muito alho e umas vitaminas a base de alho que diz que é bom.
Comprei termômetro elétrico que nos avisa quando estamos ovulando. 
Comprei bala de potássio que diz que ajuda a criar células.
Parei de beber e comer comidas não saudáveis. 
Dormir cedo, fazer caminhada, orar, rezar, etc. 

O furô rendeu uns zeros a mais na conta de gás e água.
Meu marido começou a ter bafos por excesso de testosterona.
O termômetro me ajudou bastante a me avisar que estava com influenza ou microplasma, me dando o sinalzinho do hospital para eu ir a consulta. No médico geral. 

E nada do bebê. 

Quando conversamos sobre ir a uma clínica de fertilização só pra fazer teste pra ver se somos férteis ou não, decidimos desistir por enquanto, para eu estudar e tirar licença para procurar um emprego melhor. 
Era fevereiro e decidi que iria pedir pra sair no final do mês e cumprir o aviso prévio de 30 dias em março, e iniciar curso pelo Hello Work em Abril. 

E descobri que estava grávida. 

Porque a família do meu marido é assim. Sempre vem nas horas em que a gente menos espera. 


 2. Trabalhando grávida.

Primeira coisa que fiz quando deu positivo no teste de gravidez foi, escolher um hospital que possa me atender aos sábados, e fazer o exame.
Fiz o teste de farmácia no dia previsto para a minha menstruação. Minha gata tava muito estranha e lemos no Google que animais sentem cheiro de gravidez. E estava lá : Positivo. 
O teste de farmácia para gravidez dá positivo em casos de diabetes e câncer. Diz na embalagem. Então corri para o médico com cara super preocupada para ele fazer o exame de sangue logo. (tem médicos aqui no Japão que recusa a fazer e manda esperar uns 2 meses)

Deu positivo.

Normalmente as pessoas avisam no trabalho quando entra em 16 semana de gestação quando a provabilidade para aborto espontâneo diminuem. 
No meu caso avisei com 4 semanas, tipo, um dia depois de sair o resultado do exame de sangue no hospital.
Motivo: as pessoas fumam no recinto. 

Meu supervisor ficou super eufórico (ele odeia cigarros), e fez uma campanha para banir cigarro do escritório. E também conversamos uma melhor forma de prosseguir com o meu trabalho já que tinha coisas que precisava resolver na rua, e ia muito em fábricas de reciclagem com uso de produtos químicos pesados. 

Quando minha barriga começou a aparecer, mudamos o meu horário de início de jornada. O escritório onde trabalho fica dentro da fábrica de clientes (trabalho em uma empreiteira), e digamos que seria melhor o cliente não notar minha barriguinha até não conseguir esconder mais. 

Meu trabalho ficou estrito a trabalhos escriturários. Não é conveniente clientes da empresa ver uma grávida ficando responsável por coisas no trabalho. Coisa de sexismo mesmo, mas honestamente prefiro a paz do que querer ser a embaixadora de respeito a grávidas. 

Quando chegou o 16a. semana (lá pelos 4~5 meses), fomos eu, supervisor, chefe do setor conversar na sede da empresa com o CEO (dono da empresa, ação livre é só pro inglês ver). Combinamos em como fazer com o meu atual trabalho (que não era lá muita coisa pois tava a fim de pedir pra sair mesmo), e consegui negociar a minha licença. 

A licença maternidade no Japão é 6 semanas antes da data prevista do parto, e 8 semanas após o parto. E tem a licença parental de 6 meses a 1 ano. 

E consegui tirar licença parental de 1 ano. 

3. Licença maternidade e Licença parental no Japão.

Explicarei de forma mais minuciosa em nos posts seguintes da série.
Mas sendo breve possível, a licença maternidade de 8 semanas é obrigatória. A funcionária que quiser antecipar a volta ao trabalho precisa de autorização médica.
A licença parental é facultativo. Porém a lei prevê que se a funcionária em condições de "Sei-Shain" que seria o contrato fixo com carteira assinada, expressar a sua vontade de tirar a licença, o empregador não pode negar. Ele pode despedir ela quando voltar ao trabalho, mas não pode dispensar antes.

Como negociei:

Antes mesmo de me encontrar grávida, já vinha dizendo a todo mundo, tipo, TODO MUNDO do meu trabalho que eu tiraria a licença maternidade e parental e seria pioneira na empresa, e a lei estava ao meu lado.
Graças a Deus, a filha do CEO foi a pioneira em requerer a licença um ano antes de mim.
Mesmo que a empresa não precise de mim, mesmo que me mandem embora assim que terminar a licença, a empresa só tinha o que ganhar.
Durante esse um ano pós parto (e o pré de 6 semanas) a empresa não tem obrigação de pagar o meu salário. Sairia 60 % do meu salário comum do seguro desemprego (), o seguro saúde (shakai hoken) e a previdenciária (nenkin) seria gratuitos durante a licença. A conta do imposto iria direto para a minha casa.
Ficaria como se eu fosse uma funcionária fantasma, no bom sentido. Seria contado no número total de funcionários e não precisaria pagar um centavo por isso.

Você deve estar se perguntando dessa vantagem.

Uma empresa, nesse caso, uma empresa de capital aberto, o que conta são as ações compradas e número de funcionários. O número de funcionários ajuda a impressionar os acionistas, determinar o preço do empréstimo que o banco pode oferecer. O fato de ter mulheres trabalhando ajuda a calar o ministério de trabalho e ainda, se essas mulheres tirarem licença parental ajuda muito na imagem da empresa.
Esse número também conta na hora de colocar anúncio de trabalho pelo Hello Work, onde na ficha vai estar a estimativa do número de empregados e quantas pessoas já tiraram licença maternidade.

Além do mais, onde é que no raio de 10 km de Tokyo você vai encontrar uma tradutora que seja fluente na fala e na escrita em 4 línguas que aceite a receber salário mínimo?


4. Tirando licença 

Eu acabei adiantando a licença pré-maternidade juntando com minhas férias remuneradas.
Era um dia ensolarado, estávamos lá eu e o supervisor tomando chá da tarde, comendo biscoito, falando mal do chefe do setor, quando do nada apareceu esse Senhor. Diretor e braço direito do CEO da empresa cliente, o qual temos contrato principal da empreiteira, dono da onde temos o escritório onde eu fico.
Minha barriga tinha crescido mais do que eu imaginava, culpa do excesso de líquido amniótico. Não tinha nem como disfarçar. Eu andava com barriga maior do que a melancia e estava ainda com 7 meses. Grávida de um. Apesar de muita gente achar que tinha uns 3 dentro.
Pelas perguntas e por ele ser o único da direção que não vem ficar tomando café ou usando o recinto pra falar mal do CEO deles, entendemos que tinha vindo verificar quanto tempo eu ficaria ali.

Sendo uma siderúrgica, que usa produtos químicos, e por ser uma empresa de grande porte que mesmo sendo considerada uma companhia, não dá licença maternidade para suas funcionárias, decidimos que seria melhor eu gastar todas as minhas férias acumuladas, e assim entrar de licença. E daí eu trabalharia em casa.

Arrumaram substituta para mim, que não faz tradução, mas que diminuiu muito o volume do meu trabalho. E daí as coisas que não tem como outra pessoa fazer, eu faço em casa mesmo.

Você não pode trabalhar estando de licença, mas a regra é o mesmo para quem recebe auxílio desemprego do Hello Work, se for um dia do mês não tem problema algum.


5. As consultas médicas

Quando engravida, tem pelo menos uma consulta médica por mês.
Essas consultas são pagas pela prefeitura. O valor é diferenciado em cada cidade, mas a cidade de Kawasaki oferece tickets com valor o suficiente para pagar consultas de 3o mês até o parto. Assim que o médico disser que é para ir pegar a carteirinha de mamãe o "Boshi Techou", dá para fazer as papeladas na prefeitura e vem com livreto com esse tickets.
Isso pagou 80% das consultas médicas durante a gravidez. No meu caso o único problema que deu foi de anemia e asma que eu tinha quando criança que voltou no início. Logo, com gato médico não gastei tanto.

Em cada consulta vêem o bebê com ultrassom, verifica o batimento cardíaco, mede a pressão, pesa, e só. No início e  no final faz exame de diabete, sangue e doenças transmissíveis, e no final faz exame de cardio.

Não fazem tanta coisa, mas se não ir, é capaz que não realizem o parto nesse hospital por medo de dar alguma coisa errada.

6. Alimentação

Pesquisei muitas. Mas o que mais gostei foi o site de nutrição para grávidas do Ajinomoto.
Nos primeiros meses, comi só frutas. Eram únicas coisas que não me dava azia e não podia ainda contar para todos do trabalho de que estava grávida. E também queria segurar todo o enjoo até onde conseguir pois odeio vomitar.
No segundo trimestre, concentrei em consumir cálcio, ferro e vitaminas, para criar bastante sangue e osso forte para criança. E também para poupar os meus ossos. Comi muito queijo, aprendi a tomar leite, comi fígado, comi bastante feijão e folhagens. Mesmo assim deu falta de ferro e o médico passou comprimidos para tomar. E mesmo comendo banana todos os dias me dava câimbra.
Nos últimos meses, concentrei em consumir proteínas e o normal de carboidratos, para criar músculos e carne na criança. Talvez por isso que a criança tenha ficado grande de mais para o meu corpo.

Não quer dizer que fiz o correto. Mas eu, vegetariana deixei de ser enquanto grávida. Eu acredito que a criança não é só minha e que o pai dela tem direitos de opinar sobre a sua formação, e ele queria que eu comesse carne. Comer carne não é essencial para uma criança nascer saudável. Minha vó por exemplo, grávida pós guerra, só viu carne quando foi para a Bolivia e meu pai nem pega gripe.

Para mim, o essencial na alimentação de uma grávida, é alimentação controlada e saudável. Saudável não significa comer só salada. É comer várias coisas um pouco de cada num dia. Comer iogurte com frutas de manhã, arroz com feijão e peito de frango com salada bem colorida no almoço, tomar sopa com bastante legumes na janta. Comer pedaço de queijo, um pouco de nozes no lanche e tomar bastante água. E nunca comer de mais.


7. O parto

Depois de tirar a licença pré-maternidade, fazia caminhada, subia e descia escadas do prédio onde moro, limpava o chão esfregando como Cinderela, para facilitar a indução ao parto natural. Claro que não ajudou em nada.

O bebê pelo ultrassom, vista por mim, estudiosa de medicina pelo CSI, CSI Miami, CSI NY, era grande. Muito grande. Já dava para ver que essa criança nunca passaria por canal do parto naturalmente. MAS a médica continuava dizendo que daria para ser parto natural como se eu, simples mortal, estivesse dizendo loucuras.

A data prevista passou uma semana quando, novamente minha gata começou a se portar como quando engravidei, e como já não estava conseguindo dormir de dor quando deitava, resolvi ir no hospital. O teste para ver se a bolsa tinha estourado saiu mais ou menos. Mas como já tinha passado dias da data prevista, resolveram me internar e induzir o parto por meio de remédios.

A dor não demorou para chegar, mas fiquei o dia inteiro aguentando a onda de dores, até que as 6 da tarde, a parteira (sim ainda existem e trabalham no hospital) chegou e disse que ia parar o remédio por falta de pessoal no turno da noite.

Me senti num SUS no meio da mata amazônica.

Como assim, vai parar o remédio porque se acontecer alguma coisa não tem pessoal para me atender?

O parto custa no Japão, de 380,000 yens a 600,000yens. O normal.
No meu caso custaria 480,000 yens e 420,000 yens seria coberto pelo seguro Shakai e seria pago diretamente ao hospital.

Chegou 9 da manhã no dia seguinte, e já tinha gasto 2 shots de indução de parto, vomitando bile porque nem a água tava parando no estômago, toda a bolsa estourada e sangrando pra valer.

Já havia 2 semanas que mal dormia e 2 noites totalmente sem dormir. Sentindo dor 24 horas por dia, dilação por balão em 10cm que não passava daí, mas sem sinal do bebê descer.
Lógico, bebê também não é idiota. Até eu ví que não tinha nem um caminho pra aquele tamanho de cabeça passar, não sei como a médica não viu. Se bebê tivesse resolvido sair por conta, acredito que nem um de nós havia sobrevivido ao parto.
Daí tive de manter a calma naquelas horas e explicar e convencer as duas médicas e a chefe das parteiras a fazer cesária.

A chefona não se convenceu, mas as médicas já foram me botando na maca.
Daí pra bebê sair foi questão de minutos.
Nasceu feliz e enorme. Era o maior bebe no berçário.


8. A internação


A maioria dos hospitais fazem parto natural em regra. A cesária é somente em caso de vida ou morte. Se quiser cesária ou parto sem dor (com anestesia) precisa procurar clínica que o faça. E desembolsar muitos yens para isso. 
Maioria dos seguros não cobre o parto, ainda mais cesária escolhida. 
Como sou uma pessoa pobre, escolhi o hospital por atender aos sábados, e por esse hospital ser o único o qual nunca briguei com os médicos. Erro grande. 

Eu nunca havia visto ninguém que tenha se internado lá.

Eu participei do chamado "boshi kyousitsu" que é aula de mãe e filhos, onde explicava o parto e ainda mostrava a ala de internação. Mas por azar, o dia que participei, contando com os maridos, havia umas 40 pessoas e os quartos estava lotados. Logo não consegui ver direito como eram os quartos.

Então fiquei internada por quase uma semana.
Normalmente na cesária internam por uma semana, mas no meu caso saí com 5 dias.
Eu não aguentava mais ficar ali, e acredito que essa vontade de voltar para casa me fez recuperar na velocidade que o Wolverine se recupera.

O quarto que eu pedi era enfermaria. Pois era de graça.
Grande erro meu.

A cama era de manivela.
Nunca viu? Você tem que descer da cama para girar a manivela pra cabeceira levantar. Como fazer isso se no pós cirúrgico a dor é tão grande que você não consegue levantar sozinha?

A comida era boa mas você tinha que levar os pratos usados até o corredor para devolver, sozinha.
O banheiro comunitário e super estreito e sem apoio, era no fim do corredor, e tinha 3 privadas para atender 3 enfermarias, 2 quartos de 3 camas e 2 quartos particulares. Nem no quarto particular tinha banheiro e chuveiro.

O chuveiro por sorte era novinho e recém reformado.

Como após 2 dias de cirurgia não pode tomar banho, eu tive de implorar para a tia que trazia a comida por um pano umedecido.

A última vez que me internei tinha 8 anos de idade e minha mãe posou comigo. Eu não sabia como funcionava as coisas e ninguém me explicou quando internei pois já estava com dores do parto quando assinei as papeladas. Perguntava e me respondiam com cara de como se eu deveria saber.

A única coisa que me salvou é que esse hospital não deixa o recém nascido no mesmo quarto que as mães. E as mães devem ir a berçário em horário marcado para dar mamá. Porque da forma como não conseguia me levantar para ir ao banheiro, não iria conseguir pegar no bebê.

Tinha aulas de mamães novas, de como dar banho, de como fazer mamadeira, de nutrição, de monte de coisa, e ganhei mil brindes. Ganhei uma mamadeira de vidro super boa que uso até agora.

Mas mesmo assim, o próximo filho não vou ter ali. 


Relato escrito em 10 de março de 2017

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