Tratamento de professores no Japão

revisado em 21/05/2023

Sempre que vejo meme de Facebook ou matéria de TV mostrando as escolas japonesas no Brasil, penso se é falta de informação ou é porque a grama do vizinho é sempre mais verde.


Vejo esses memes dizendo que "no Japão o professor é o único que não abaixa cabeça para o Imperador", penso "Só se for a dele enquanto na escola".


Até o fim da segunda guerra mundial, nenhum ser humano era permitido a olhar diretamente para o Imperador. A não ser o povo que trabalhava para família imperial, hoje Agência da Casa Imperial (ministério), que são basicamente parentes do imperador. 
A escola em questão seria o Gakushuin 学習院, hoje aberto para o público, mas era escola exclusiva a família imperial. 



Escola no Japão

É extremamente diferente do Brasil. 
No Japão nunca verá falta de impressora, ou falta de papel. 

No Japão, as escolas públicas se equivalem a escolas particulares, das caras, no Brasil. 
Escola particular no Japão então é algo do primeiro mundo. 



A tecnologia e arquitetura da infraestrutura muda de acordo com a Província. 
Existe Província pobre e rico. 

Mas basicamente as escolas tem piscina olímpica, quadra coberta, campo (para jogos como futebol, maratona, e outros), enfermaria, salas de aula, sala dos professores, sala do diretor, sala do psicólogo, biblioteca e sala para radiodifusão. Não são todas as escolas primárias, mas a partir do ginásio (chuugaku 中学, 7o. a 9o. ano) tem laboratório, sala de economia doméstica (para costuras e culinária), sala de música, e sala de artes. 

Tem escolas com hortas, criação de animais, campo de tênis, e etc. 

Todas tem esse tipo de infraestrutura como figura abaixo, seja pública ou seja particular.  
Não é tão fácil montar um negócios no ramo educacional. Por isso que por aqui ganha mais dinheiro administrando cursinho. 



Mas não se engane. 
Existem escolas violentas. 
Parecendo aqueles filmes americanos dos anos 90 sobre escolas nas baixadas em NY. Existem escolas que estão bem acabadas.

O que equivale ao ensino fundamental no Brasil, que é o Shougaku 小学 (1a. a 6a série) e Chugaku 中学 (7a. a 9o série) é obrigatória. É obrigação dos responsáveis mandar para escola e é obrigação da criança ir. A falta de frequência é motivo para caracterizar negligência e pode levar a perca da guarda da criança nos piores casos. 
O ensino médio é livre escolha e requer vestibular. 

As aulas

As aulas no Japão são integrais. 

A aula começa das 9:00 e vai até 13:00 ou 15:00, dependendo da série, e para os mais velhos tem treino (esportivo ou cultural) após a aula até meados de 17:00 ou 18:00. Com intervalo para o almoço de merenda (que são pagas mesmo que seja na pública), e horário para limpeza da escola (somente para escolas públicas). 

Particular e Nacional VS Pública


O formato de aulas são iguais ao do mundo todo.

A diferença é que na pública o ensino é mais fraco, bem mais fraco, chaga dar raiva. 
Quem quer filho médico, trabalha que nem louco para pagar a mensalidade absurda das escolas particulares no Japão. 

Para entrar na escola particular ou nacional/provinciana requer vestibular. 
E claro, é pago, é caro, e tem uniforme desde o pré até o ensino médio. 
Que é pago também. Se não cobram o oxigênio. 



Existem os que tem do pré-zinho a universidade. 
Nessas se conseguir entrar com 3 anos de idade no Youchien (pré-zinho), a vida tá garantida até a Universidade, pois tem o sistema de avanço interno, é mais fácil de avançar para o ensino médio e superior. 
Sim, vestibular com 3 anos de idade, com entrevista e tudo. 



Em exemplo,  a particular dos particulares o Aoyama Gakuin, que é desde prezinho até a universidade. A universidade é em base a ensinamentos cristão metodistas. Em base. Não quer dizer que a escola seja criadouro de cristãos. Essa daí visa mais o status de rico já que é repleto de filhos de políticos e artistas. 

E tem particulares que não são o "escada rolante", que requer muito estudo do aluno.  
Como exemplo o Ocha-no-Mizu, que é nacional (considerada hoje a melhor do país, tanto pq o sobrinho do atual imperador frequentou), que é escola para garotos e garotas até o chugakko (9o. ano), e depois somente para meninas até a universidade.

OBS: A nacional (kokuritsu) não é de graça. 

Para entrar em escola particular, somente com vestibular com entrevista para prezinho na turma dos 3 anos de idade, 1a. série do Shougakko, 1a. série do Chugakko, 1a. série do Koukou, e 1a. série da Universidade. Não tem como entrar no meio do ano, a não ser que esteja vindo de outra província ou país por mudança, com provas um pouco mais pesado. 

O pagamento de escolas particulares ou nacionais/provinciana são feitas em regra em formato de anuidade, onde o céu é o limite. Tem escolas que cobra anuidade mais o valor mensal pelas aulas, o qual é pago tudo junto. Ainda tem o pagamento mensal para viagens, almoço (se tiver, mas pode levar comida de casa). Material escolar e uniforme são rigidamente escolhidos pela escola. Uniforme é um para verão e outro para o inverno, da cabeça aos pés, mais o uniforme para aulas de educação física. E para clubes de esporte (bukatsu 部活) que podem ou não ser obrigatórios. 



Agora, escola pública é administrado pelo município. 
Não tem uniforme no primário e único pagamento é para passeio ou viagem das mais baratas e a merenda. 
O passeio não é obrigatório. 
E se não me engano, merenda também não. Mas não pode mandar comida de casa a não ser que o seu filho tenha alergia grave com recomendação médica, e a escola não possa fazer comida especial.
Deixar a criança sem comer enquanto todo mundo da sala junta para o almoço inclusive o professor é mais do que negligência né.



E não, não pode voltar pra casa pra almoçar.
Horário de almoço faz parte da aula obrigatória.

Vestibular só para entrar no ensino médio e superior.



Condição trabalhista dos professores no Japão


Quanto aos professores de escolas particulares nem vou comentar porque não são funcionários públicos. E nem dos professores de escolas nacionais porque são funcionários nacionais (tipo federal no Brasil) e tem tratamento diferente. 

Vou falar da maioria. 
Os professores de escolas públicas municipais do Ensino fundamental (shougakko e chuugakko)

A lei que vigora para professor de escola pública, é uma lei de 1975 da época do governo de Kakuei Tanaka,  que visava o pagamento de 25% elevado em comparação a outros funcionários públicos. Porém a lei empacou em 1975, enquanto o aumento do salário de funcionários públicos de outros cargos foi só aumentando.

Hoje, professor é a categoria menos paga dos funcionários públicos em geral.

A lei de funcionário público determina que o funcionário público não deve fazer horas extras. Logo não tem pagamento de horas extras, abono de trabalho de final de semana, tampouco de trabalhar em feriado.
Pode considerar que uma pessoa de 25 anos que trabalha em dois turnos numa fábrica, recebe o dobro que um professor de 25 anos de Ensino fundamental. E a carga horária é praticamente o mesmo. Um funcionário da fábrica quando deixa o seu trabalho é um "cara". Professor é um trabalho 24 horas 7 dias por semana, igual a um médico. 

A estabilidade do cargo, claro é mais compensadora que um assalariado. Por mais que professora resolva ter 3 filhos um atrás do outro, não vai ter problema alguma de tirar licença pré e pós parto, licença parental de 1 a 1 ano e meio (e estão tentando aumentar para 3 anos!), licença médica em casos de enjoo matinal grave. E seu lugar de volta ao trabalho vai estar garantido.

Apesar de "Sei Shain 正社員" ser um contrato vitalício até os 65 anos, é mais fácil ser despedido que um professor de escola pública.

Como são escolhidos os professores


Para ser professor (de qualquer escola) primeiramente precisa passar na habilitação nacional para credencial de ensino (kyouin-menkyo 教員免許). Essa habilitação pode ser tirada no último ano da universidade.

E da mesma forma que qualquer funcionário público no Japão, precisa passar na prova para funcionário público que são divididos em Município - Província - Nacional. 
Que são anuais, e tem direito de prestar somente até os 30 anos de idade.

Passando na prova tem alguns anos de validade a sua condição (que depende da área) de "direito de prestar entrevista". Ou seja, a pessoa que passa no concurso não tem sua vaga garantida. Tem que correr atrás com curriculum na mão onde tem vaga para entrar, seja escola, conselho, prefeitura, etc.

Isso vale para qualquer funcionário público. 


Porque professor reclama que escola é um "Black Kigyou"


O termo "Black Kigyou ブラック企業" antigamente era aplicado ao negócios ligados à máfia, mas a partir do livro best seller de 2008 e sendo escolhido como a palavra mais utilizada no ano de 2013, se refere à empresas que obriga o funcionário a trabalhar mais de 8 horas por dia sem pagamento de horas extras, com assédio moral/sexual, com alto índice de demissão e contratação, péssima administração e/ou documentos trabalhistas forjados. 

Para quem já fez estágio ou trabalhou como funcionário público no Brasil sabe como são as coisas. 
Hoje em dia, acredito que a escola pública tenha se igualado ao ambiente de trabalho em Banco do Brasil. Famoso pelo assédio moral e mil problemas entre funcionários. 

Por exemplo: um novato entra logo após a se formar na universidade com 23 anos de idade, se passar tudo direto. Cada classe tem o professor responsável chamado de "tan-nin", e um vice. Pode ser que seja de cara escolhido pra liderar a classe.  E também pra liderar o time de algum esporte da escola.



Não sei se ainda existe essa obrigatoriedade, mas pelo que eu sei, em Chugakko (7a. a 9a série) entrar em time de algum esporte ou classe cultural (Bukatsu 部活) é obrigatória. E precisa de um supervisor adulto para liderar o time, que é o professor que nem sempre é o professor da educação física.

Quando se torna professor responsável pela turma, precisa cuidar da turma nos mínimos cuidados inclusive atender os pais. Se o pai chega as 5 da tarde reclamando, e ficar, uma, duas, três horas, o professor tem que ficar lá pra resolver o problema. Não dá pra simplesmente abandonar o pai lá  e ir embora porque quer bater o ponto. Trabalho de professor é atender os pais também.

Diferente do Brasil, nas escolas japonesas (pelo menos as públicas) não tem cargo de secretária, telefonista ou a tia que cuida do portão. Esses trabalhos são trabalhos dos professores.

Eventos e viagens de turma podem ser feitos nos finais de semana. Mas não sai horário extra.
Existem pais ou alunos que vem até a casa do professor.
Se o aluno criar algum problema fora da escola, a escola ( o professor principal) vai ser chamado. Seja final de semana ou seja de madrugada, o telefone pode tocar a algum momento para resolver qualquer problema causado pelos alunos.

E sem contar no assédio moral ou sexual dentro do ambiente de trabalho.
Hoje em dia tem psicólogo nas escolas. Mas esses profissionais são voltados para cuidar dos alunos, não dos professores. Acaba sendo um setor limitado de poucos funcionários onde não tem um escape para pedir socorro.



Afinal como é ser professor no Japão?



Para ser profissional da educação no Japão, primeiramente tem que ter paixão sobre o que faz. Tipo um chamado de Deus, um dom, uma missão de vida, pronto pra ser crucificado. Tem que ter mais responsabilidade e amor pelas almas que um padre franciscano. Pelo menos o padre tem o Vaticano que o defende. Professor no Japão está praticamente sozinho no meio da selva.

O salário é bom, pode não ter final de semana garantido, mas pelo menos nas férias de verão e inverno dá pra dar adiantamento nos relatórios e trabalhos escriturários que precisam ser feitos.
Não, os professores não tem direito a férias, mesmo que os alunos estejam de férias, os professores devem prestar o teiji e vir trabalhar.


Quando se torna professor, é professor 24 horas, 7 dias por semana, 365 dias por ano até que a aposentadoria nos separe.
Da mesma forma que é no Brasil, se conseguir sobreviver e chegar ao cargo de diretor, o salário muda drasticamente inclusive o valor da aposentadoria. Mas não são todos as dezenas de professores da escola que consegue chegar no topo do pirâmide hierárquico.

Professor tem muitas regras quanto ao "Taibatsu 体罰", que é o castigo corporal. Tocar no ombro do aluno dormindo, tirar o aluno da sala e mandar pra diretoria sozinho, ou deixar em pé no corredor, dar mais tarefas, dar trabalho escolar para os bagunceiros, etc... Tudo isso é considerado "Taibatsu 体罰" e tem a mesma penalidade que bater na cara da criança e quebrar uns dentes.
Não se pode gritar, não se pode xingar, não se pode falar mal, e não pode sobrecarregar com tarefas e trabalhos.

E ainda o professor pode ser responsável por bullying na sala que é responsável. No dia que algum aluno resolver denunciar o bullying ou pior, acabar cometendo suicídio, alguém terá de tomar responsabilidade pelo ocorrido, e nunca é a culpa do diretor, mas sempre do professor Tan-nin. Pode ser trocado de turma, escola, ser transferido onde Judas perdeu as botas e no pior dos casos ser demitido, por mais que seja funcionário público.

E o tratamento para com os professores é mais rigoroso. Um professor envolvido em clubes noturnos ou prostituição é motivo para um escândalo. E se envolver em alguma briga na rua, ser preso ou ser interrogado, já é motivo para ser dispensado.
A conduta de um professor precisa sempre ser reto e digno para horário comercial e autorizado para menores.

O salário de um professor no início da carreira é mais ou menos igual a de uma secretária numa pequena empresa ganhando o mínimo. O salário aumenta a cada ano, logo se aguentar uns 20 anos se iguala a um funcionário de uma fábrica de faz troca de turno de noite e dia com zangyo no sábado.

Os professores fazem por puro amor.

Hoje em dia ninguém respeita funcionário público e ainda há gente que diz que deveriam ser voluntários tanto os políticos.

Não sei de onde veio esse meme.

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