Como é morar no Japão?

Fui questionada por uma pergunta aleatória na página do Facebook do blog.

A pergunta que me intrigou profundamente envolvia a busca pelo sentido da vida, conforme abordado no 'Mundo de Sophia'. Era algo de extrema complexidade, e acabei compartilhando um link deste blog como minha resposta.

Ponderei e analisei minuciosamente o conteúdo da minha 'gavetinha' de memória cerebral para tentar condensar isso em um post, como sempre tento fazer o mais simples possível para os leitores do blog.

Optei por evitar um texto excessivamente dramático e redundante, que lembraria uma coletânea de romances de Machado de Assis. Portanto, escolhi a via do resumo, mas mesmo assim, o resultado final acabou sendo mais extenso do que eu esperava.




Introduzindo me


・ Como eu cheguei aqui.

A primeira vez que estive no Japão, eu tinha 2 anos e cerca de 10 meses. Naquela época, havia uma grande onda de dekasegis nos anos 90. O Japão era comumente conhecido como 'Yen Town' (vale a pena assistir ao filme 'Swallowtail' de 96 para entender melhor esse período). O país estava em busca de mão de obra humana e estava chamando de volta os filhos daqueles que haviam imigrado para outros países (para obter mais informações, é interessante estudar mais sobre a geografia e a história dos imigrantes).

Passei 6 anos no Japão, em uma cidade pequena (famosa pelo enorme templo shintoísta que compartilhava o mesmo nome). Naquela época, a cidade estava repleta de grandes, médias e pequenas fábricas que empregavam muitos brasileiros.

Minha melhor lembrança desse período foi a nova escola (que ainda existe) que frequentei por apenas um ano. Até hoje, considero essa escola uma grande inovação na educação infantil, um modelo que deveria ser replicado em todo o mundo. A escola foi inicialmente projetada para ser uma casa de repouso para idosos. Para quem mora no Japão, imagine os grandes hospitais da cidade ou as universidades. Para quem está no Brasil, imagine o Hospital Sírio-Libanês.

Os corredores eram amplos, com corrimãos em todas as paredes. Os degraus das escadas eram altos. Embora tivesse três andares, contava com um enorme elevador. As salas de aula eram de tamanho normal, mas as portas eram amplas e deslizantes. Em cada série, havia três turmas, e naquela época, contávamos apenas com dois profissionais, mas o projeto visava ter pelo menos um professor especializado em fisioterapia, terapia ocupacional e um professor habilitado para dar aulas para crianças com deficiências mentais e físicas.

Embora não houvesse crianças com deficiência mental naquela época, parece que hoje em dia há uma classe especial para eles, onde podem interagir com outras crianças durante o intervalo.

Na minha época, tínhamos crianças com deficiências físicas. A escola era a única na região que podia acomodar crianças com deficiências físicas graves, e ainda o faz até hoje.


・ Como foi que voltei

Quando tinha 9 anos, retornei ao Brasil. Naquela época, o sistema educacional, a economia e a política no Japão começaram a declinar. Sinto como se tivesse sido resgatada do Titanic antes de colidir com o iceberg.

Meus pais optaram por se estabelecer na parte mais interior do Brasil. Sempre valorizaram a educação: frequentei escolas particulares, participei de diversos cursos e recebi uma educação intelectual de qualidade. No entanto, quando entrei no ensino médio, meus pais decidiram voltar para o Japão para lidar com dívidas de um empreendimento que não havia dado certo. Eu escolhi ficar no Brasil e concluí meu curso de Direito. Reprovei no exame da OAB duas vezes, uma decepção que eu deveria ter evitado antes da operação Tormenta.

Infelizmente, não obtive a aprovação na OAB, e o cenário estava complicado devido às políticas governamentais. Morava em uma cidade onde ainda era comum ver cavalos nas ruas.

Naquelas circunstâncias, era evidente que não encontraria um futuro promissor ali. Como eu possuía dupla nacionalidade desde o nascimento, decidi renovar meus dois passaportes e voltar para a casa dos meus pais no Japão, mais uma vez, escapando de outro desastre iminente, que parecia estar prestes a acontecer.



・ Como arrumei trabalho no Japão.

Da mesma forma que descrevi acima, meus pais sempre investiram em estudos. Nunca fomos ricos. Não se engane. Enquanto muitos compravam roupas de marca, carros e maquiagem, faziam festas de churrasco, meus pais investiam em livros, um computador com internet e TV via satélite (talvez um pouco antiga?). Eles também investiram em cursos e mais livros.

Eu continuei estudando japonês em casa. Minha mãe comprava mangás e livros em japonês importados, e me fazia escrever e traduzir em japonês para ela (minha mãe não fala português). Meu pai só falava espanhol comigo para ver se eu treinava pelo menos o meu ouvido. Além disso, fiz um curso de inglês e assistia a seriados e noticiários da Warner ou CNN sem legenda.

Mesmo formada no Brasil, eu falava o idioma, tinha noções de direito japonês (estudei por conta própria), compreendia a cultura e etiqueta, e tinha experiência em trabalho administrativo e de escrituração (fiz estágio no Fórum por 4 anos).

Assim que cheguei ao Japão, fui apresentada a uma empresa que estava perdendo uma tradutora e precisava contratar uma nova secretária.

Sim, sou secretária, recebo por esse cargo, mas desempenho o trabalho de duas pessoas.


Como é viver no Japão.


・Não precisa ser rico para morar em outro país.

Você precisa de um emprego. Na verdade, precisa de um emprego se quiser sobreviver. O dinheiro precisa vir de algum lugar para pagar as contas, e deve ser fruto do suor e da honestidade.

E, é claro, você precisa de dinheiro para comprar uma passagem, emitir um passaporte, solicitar um visto e contar com um pouco de sorte para conseguir um visto de residência.



・ No Japão tem muito emprego de sobra.

Se você não escolher ou torcer o nariz para falar o idioma no nível nativo, então...

Agora, se você não fala nem mesmo um simples 'bom dia', não consegue ler nem hiragana, e ainda mantém um comportamento arrogante, não vai conseguir encontrar emprego por aqui. A menos que tenha sido contratado em algum outro lugar e seja transferido para o Japão.



・ O Japão não leva nada a sério.

A lei japonesa é burocrática e positivista. Mas o que isso significa?

A lei japonesa possui muitas lacunas e está longe de ser perfeita quando comparada à lei brasileira. Sim, você leu corretamente. A lei brasileira (constituição, códigos e outras leis) é quase perfeita e extremamente organizada aos olhos dos legisladores japoneses.

A lei japonesa é notavelmente incompleta. No entanto, quando se trata de burocracia, há muitas regras, e essas regras são seguidas rigorosamente.

Por exemplo, se estiver escrito que você deve enviar documentos do MyNumber pelo correio, não adianta entregá-los diretamente na prefeitura. Eles informarão o endereço correto e pedirão que você envie os documentos pelo correio após devidamente acondicionados e selados.

No entanto, há contradições. O roubo é considerado crime no Japão. Pegar um bem alheio que não lhe pertence é considerado roubo (Settou zai) e pode resultar em prisão por até 10 anos ou multa. Porém, a devolução do bem roubado, juntamente com uma compensação adicional, pode levar à retirada da denúncia. Isso ocorre porque no Japão não existe um Ministério Público com o mesmo papel desempenhado no Brasil, e os promotores só aparecem quando o caso vai a julgamento.

Outro aspecto notável é que, aqui no Japão, muitos problemas são resolvidos com dinheiro e levam em consideração a classe social. O famoso 'jeitinho brasileiro'? Bem, foram os japoneses que também adotaram essa prática.


・ Precisa viver seriamente se não quiser se meter em encrenca.

Dinheiro e classe social resolvem tudo neste país. No entanto, se você tivesse ambos, provavelmente não estaria interessado neste post. Em países democráticos, como os EUA e o Brasil, a classe social muitas vezes está ligada à riqueza financeira. Mas em países com sistemas imperialistas, como Inglaterra e Japão, a classe social muitas vezes é determinada pela linhagem familiar e status de sangue azul. Se o seu sangue não é azul, pode ser desafiador conseguir ascender socialmente, portanto, a alternativa é viver em harmonia com as leis e a sociedade.

Não tente encontrar soluções improvisadas, pois enquanto o 'jeitinho' pode funcionar, gambiarras geralmente não são bem vistas.

Esse positivismo tem suas consequências. Se cometer um erro, raramente alguém vai perdoar. Portanto, pense antes de agir e falar e mantenha-se longe de problemas.


・ A obrigação de pagamento de imposto é bem simples e vem em um decimal a mais que no Brasil.

No Brasil, pagamos impostos muitas vezes sem saber exatamente para quê, e isso ocorre de forma natural, às vezes passando despercebido.

Bem, no Japão também pagamos impostos, mas alguns deles são muito claros e transparentes. Se você tem um emprego e não recebe benefícios do governo, os impostos dos quais não pode escapar incluem: Imposto Municipal e Provincial, Imposto Salarial e Imposto sobre Produtos (8% sobre cada produto comprado).

No entanto, não se engane. Isso não significa que o imposto não esteja incluído no preço da gasolina ou que a produção seja isenta de tributos. É tudo isso, mais esses três impostos.

O Imposto Municipal e Provincial, bem como o Imposto Salarial, dependem de onde você mora e de quanto ganhou no ano anterior. Se você pensar sobre isso, pode ser até mais alto do que o IPTU, pois o Imposto Cidadão é obrigatório para qualquer residente, independentemente da idade. Junto com o Imposto Salarial, a quantia é calculada com base em sua renda anual do ano anterior. E não é uma porcentagem ínfima do seu salário. Esteja preparado para pagar, no mínimo, 100 dólares por mês por cada pessoa da família que vive como seu dependente no território japonês. No mínimo.

Declarar impostos é um dever e uma obrigação para todos os residentes no território japonês, independentemente da nacionalidade e idade. Não fazê-lo é considerado sonegação de impostos. Aqui no Japão, as consequências podem ser rápidas; antes mesmo de você terminar de ler o aviso, podem estar levando os seus pertences de dentro de casa para um leilão."


・ As quatro estações aqui são bem definidas.


Leia mais neste post. 


・ Todo mundo é praticamente igual aqui, com os mesmos problemas.

Há exceções, como as pessoas que frequentam Harajuku, otakus e outras pessoas com estilos peculiares, bem como aqueles com renda extremamente baixa ou extremamente alta.

No entanto, a maioria aqui pertence à classe média. Todos têm smartphones com acesso à internet e uma linha telefônica. Todos trabalham em empregos fixos em empresas, moram de forma independente, têm uma alimentação adequada, ganham o suficiente para viver e compram roupas novas a cada estação. Saem para comer fora uma vez por semana, viajam no verão, entre outras atividades.

Mas o telefone é totalmente bloqueado e só é vendido com um contrato de linha, então os gastos de cerca de 100 dólares por mês em telefone fazem parte das despesas essenciais do dia a dia. Aqueles com uma 'família', por assim dizer, geralmente conseguem empregos estáveis em empresas confiáveis como shains. É comum que não morem com os pais, pois é difícil encontrar um emprego próximo à residência. A comida no Japão é relativamente barata em comparação com o Brasil, incluindo fast-food e restaurantes de franquia, e roupas fast fashion também são acessíveis, já que muitas são fabricadas na China.

É possível fazer viagens, mas as férias geralmente se limitam a feriados acumulados ou períodos curtos, de até 4 dias. Férias de 30 dias são incomuns, principalmente porque não são previstas na legislação trabalhista daqui.

Essa é a realidade da vida para a maioria das pessoas aqui.


Concluindo



・A sua vida financeira não vai mudar só porque trocou de país.

Se você nasceu com uma estrela brilhante no meio da testa, sua vida será virtuosa, mesmo no Polo Norte. Mas para meros seres humanos, como a maioria de nós, mudar de ares pode ser benéfico. No entanto, se você nasceu com "azar", provavelmente continuará a enfrentar desafios, não importa para onde vá. Não há como escapar disso; é importante aceitar a si mesmo.

Eu costumava estar sem dinheiro, sem liberdade, comendo mal, vivendo em uma casa caindo aos pedaços no Brasil. Hoje tenho dinheiro na carteira, no banco, na poupança, posso sair sem medo (bem, quase sem medo), e moro em uma casa nova.

No entanto, isso não aconteceu porque eu peguei um avião e vim para o Japão.

O primeiro ano de trabalho foi terrível, realmente difícil. Sair de uma faculdade de Direito no Brasil, onde nos esforçamos para nos formar, e entrar no meio de pessoas que passaram pela universidade sem muitas dificuldades, em cursos que você não tem certeza se são técnicos ou de bacharelado, é um desafio intelectual.

Eu morava em um lugar apertado, muito pequeno mesmo. Tinha medo dos meus vizinhos e raramente abria a janela. Às vezes, eu desligava a energia da casa para economizar nas contas. A única roupa que tinha era um terno e camisa para usar no trabalho.

Se você deseja mudar de vida, é necessário esforço e sacrifício.


・Em questão da necessidade de trabalhar, morar no Japão não é tão diferente de morar no Brasil.

Em relação à necessidade de trabalhar, morar no Japão não é muito diferente de morar no Brasil. A grande diferença é a segurança. Isso não tem nem comparação.

Crimes acontecem e coisas ruins acontecem em todas as famílias, mas para se tornar uma vítima no Japão, você precisa estar no lugar errado na hora errada e dar motivos para alguém completamente maligno. As chances de isso acontecer são mínimas se você levar uma vida honesta e evitar 'jeitinhos'. No máximo, pode perder algo devido a um descuido seu. Além disso, há o fator ambiental.

Em qualquer momento e em qualquer lugar no Japão, você pode se tornar vítima de um terremoto, maremoto, furacão, se perder em meio à montanha ou até mesmo se deparar com a mulher de O Grito ou O Chamado.

Mas, tirando esses aspectos, questões como trabalho, relacionamentos, dinheiro, política, impostos, corrupção, policiais corruptos, problemas escolares, doenças... São todos problemas essencialmente iguais aos do Brasil.

Tudo isso me leva a concluir que o ser humano é inteligente, mas quando visto em conjunto, muitas vezes age de maneira tola. Isso vale para todas as raças, culturas e países.



・Morar no Japão é muito LEGAL!! Quando se mora em metrópole.


Eu moro nos arredores de Tóquio.

Minha vida aqui é mais econômica e tenho a flexibilidade de ir para Tóquio quando bem entender. É como se fosse apenas uma estação de trem, e estou em Tóquio (embora seja necessário pegar umas 4 estações para chegar ao coração de Tóquio, leva apenas uns 15 minutos de trem).

O que há de tão incrível em Tóquio?

O Japão inteiro se encontra lá. Se você quiser saborear sobá de Okinawa, com certeza encontrará um lugar que serve o sobá original. Se preferir comer peixe fresco direto de Hokkaido, você pode encontrar um restaurante que importa os produtos diretamente de Hokkaido. Toda a cultura japonesa está em Tóquio! Isso pode desagradar um pouco os habitantes locais, chamados Edokko, que podem se sentir invadidos. Além disso, todas as marcas estrangeiras, seja de roupas ou design, podem ser encontradas por lá. Todas as novidades nascem em Tóquio.

E muitas vezes, nem é necessário ir até Tóquio; posso muito bem ir para Yokohama, onde todas as novidades se concentram em um espaço menor. Sinceramente, para mim, tanto faz se estou em Shibuya ou em Sakuraguicho.

Eu gosto de observar o porto, sentir o mar, então prefiro Sakuragicho. É mais espaçoso e tem menos pessoas estranhas.

Morar no interior pode ser bom para quem aprecia uma vida tranquila e ar puro. No entanto, depois das 7 horas da noite, fica muito escuro e não há absolutamente nada para fazer aos domingos.

Hoje em dia, não consigo imaginar minha vida sem as lojas de conveniência abertas 24 horas, sem shoppings e sem lojas funcionando aos domingos.

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